terça-feira, 16 de junho de 2009

Currículo em debate - Caderno 3


MATEMÁTICA: É PRECISO LER, ESCREVER E SE ENVOLVER

UM PEQUENO HISTÓRICO DA ÁREA


Com o intuito de promover melhorias no processo educacional, o governo do Estado de Goiás implementou a partir do ano de 2000, no ensino fundamental do 6º ao 9º ano, programas que tiveram grande relevância no ensino de Matemática, como o Praec - projetos extra-curriculares desenvolvidos nas unidades escolares, para a melhoria da aprendizagem dos alunos em todas as áreas do conhecimento, bastante utilizados pelos professores de Matemática da rede; políticas de formação continuada para professores da rede estadual de ensino que atuam em projetos como: o Programa de Aceleração de Aprendizagem - implantado em 2001 para atender alunos com defasagem idade-série; o Programa Gestão da Aprendizagem Escolar - criado pelo governo federal em 2002 e desenvolvido no Estado a partir de 2005, tendo como um dos objetivos melhorar o ensino de Matemática na rede regular; as Oficinas Pedagógicas - realizadas em 2004 com professores representantes de todos os municípios goianos, com o objetivo de instituir a formação de grupos de estudos nas diversas áreas do conhecimento. Essa ação desencadeou o processo de Reorientação Curricular do 6º ao 9ª ano do Ensino
Fundamental na rede estadual de ensino.
A proposta está sendo construída pelos próprios professores da rede, com a participação de pais, alunos e comunidade escolar, coordenada pela Secretaria da
Educação, através da Superintendência de Ensino Fundamental, com assessoria de docentes de universidades goianas e do CENPEC (Centro de Estudos e Pesquisas em
Educação, Cultura e Ação Comunitária) - ONG sediada em São Paulo, reconhecida por trabalhos realizados na escola pública.

A OPÇÃO CURRICULAR EM MATEMÁTICA

No fim dos anos 60 e início dos anos 70 o ensino de Matemática sofreu profundas
mudanças na abordagem dos conceitos. O estilo tradicional de se pensar o ensino
dessa disciplina deu lugar a um pensamento científico e tecnológico, que resultou
na Matemática Moderna, baseada, entre outros, na implantação da Teoria dos Conjuntos. A disciplina deixou de ser uma simples ferramenta para resolução de problemas práticos e passou a ser encarada como ciência, até mesmo no ensino fundamental Essa perspectiva priorizou ensinar a criança a pensar logicamente e a compreender os conceitos básicos da Matemática como estrutura (Carvalho,1998).
De 1980 a 1995, surgiram novas propostas curriculares para o ensino de Matemática
que visavam à formação do cidadão para a vida, sem deixar de lado a sua qualificação para estudos posteriores. O aluno deixaria de ser um mero espectador para ser parte integrante do processo de ensino-aprendizagem. A utilização de problemas do cotidiano exigiu a integração de novos conteúdos, como a Estatística, a Matemática Financeira e outros. O uso de novas tecnologias, com o advento do computador, também foi um tema muito discutido e considerado necessário nessa área. Esse movimento trouxe uma necessária redefinição das concepções da natureza do conhecimento matemático, do ensino, aprendizagem e avaliação na área, passando a considerar que “a matemática, como campo de conhecimento, possui diversas dimensões: é um instrumento a serviço do ser humano, cujos recursos podem ser aplicados às necessidades do cotidiano; é também um instrumento de comunicação e leitura do mundo; é uma ciência construída pelo ser humano, com características próprias e formas de raciocínio específicas que contribuem para o desenvolvimento de determinadas habilidades de pensamento” (Ensinar e Aprender, 2001).
Desenvolver essas diferentes dimensões de forma integrada é a proposta para o
ensino de matemática na escola fundamental no processo de Reorientação Curricular do 6º ao 9º ano, e representa atualmente, o principal desafio enfrentado pela maioria dos professores dessa disciplina.

OBJETO DE ESTUDO

A Matemática caracteriza-se como uma forma de compreender e atuar no mundo e o conhecimento gerado nessa área do saber como um produto da construção humana na inteiração constante com o contexto natural, social e cultura.
A Matemática faz-se presente na quantificação do real – contagem, medição de grandezas – e no desenvolvimento das técnicas de cálculo com os números e com as grandezas. No entanto, esse conhecimento vai muito além, criando sistemas abstratos, ideais, que organizam, inter-relacionam e revelam fenômenos do espaço, do movimento, das formas e dos números, associados quase sempre a fenômenos do mundo físico.

POR QUE ENSINAR MATEMÁTICA NO ENSINO FUNDAMENTAL?

A sociedade moderna exige alunos conscientes e preparados para uma vida sociocultural
intensa e dinâmica e o ensino de matemática na escola fundamental pode corresponder a essa exigência, quando o seu objetivo é “desenvolver nos alunos a capacidade de identificar, formular, ler e resolver problemas; identificar padrões, fazer generalizações; elaborar conjecturas, usar modelos, fatos, contra-exemplos e argumentos lógicos para validar, ou não, uma conjectura; perceber, conceber, analisar
e representar objetos geométricos”.
Por outro lado, a Matemática é um elemento importante na construção da cidadania,
porque “é uma ciência criada pelo homem em sua constante busca pelo conhecimento
e pelo atendimento de necessidades humanas” (Ensinar e Aprender, 2001).
Nessa perspectiva, espera-se que a Matemática no ensino fundamental enfatize o
uso social dos conhecimentos matemáticos, aproximando o objeto de ensino das práticas culturais e sociais dos alunos: as práticas comerciais, como conversas
dentro dos mercados, bares, nas esquinas, praças etc, as brincadeiras, jogos e outras
situações que fazem parte de seu cotidiano.

METODOLOGIA

A resolução de problemas

Consideramos que a reflexão sobre os objetivos de ensino de um determinado
conteúdo pelo professor constitui o ponto de partida do planejamento das aulas de
Matemática. Se o professor não tiver essa clareza, dificilmente ele terá condições de
escolher os caminhos mais adequados para o trabalho junto aos alunos e de avaliar
o quanto eles se aproximaram das expectativas de aprendizagem definidas no
planejamento.
Um dos caminhos possíveis para concretizar um ensino baseado nessa nova perspectiva
de vínculo entre Matemática e cidadania é o da resolução de problemas: o ponto de partida da atividade Matemática não é a definição, mas o problema. No processo de ensino e aprendizagem, conceitos, idéias e métodos matemáticos devem ser abordados mediante a exploração de problemas, ou seja, de situações em que os alunos precisem desenvolver algum tipo de estratégia para resolvê-las (Ensinar e Aprender, 2001).

• A comunicação em Matemática

A linguagem é um elemento essencial na aprendizagem. É por meio dela que o
sujeito organiza as suas experiências e as transforma em conhecimentos. A linguagem
media a interação entre o sujeito e os outros, incluindo o mundo real (Vygotski). Dessa forma, a aprendizagem se produz pela mediação do outro. No campo interno, o
sujeito, por meio da linguagem, produz uma reestruturação da rede de significados
que ele relaciona aos objetos. Por isso, é importante que se estabeleça a interação
com o outro e com o objeto de conhecimento, estabelecendo diferentes canais de
comunicação para que a aprendizagem com significado se efetive.
A comunicação em Matemática é importante como fator de avaliação da aprendizagem
dos conteúdos, da capacidade de transformar o que foi aprendido ou ainda de criar a partir disso. Por meio das falas ou dos registros dos alunos, observamos sinais de aprendizagem que mostram seus avanços e suas dificuldades e o quanto o ensino possibilitou, ou não, a aproximação do aluno aos objetivos traçados. (Reflexão e Criação 1)
No entanto, a oralidade, a leitura e a produção de textos não costumam fazer parte do cotidiano das aulas de Matemática. Os alunos geralmente têm poucas oportunidades de produzir representações significativas de seu pensamento matemático.
A falta de clareza da relação entre a língua materna e a linguagem matemática, assim como entre linguagem e pensamento é um obstáculo no processo de ensino e de aprendizagem da matemática.
Além disso, de forma geral, acredita-se que o trabalho com a leitura e a produção
de textos é responsabilidade apenas do professor de Língua Portuguesa.
Consideramos, contudo, que a Matemática, assim como as outras áreas do conhecimento,
muito contribuem com a função comunicativa da linguagem. Por outro lado, a Matemática como linguagem comunica pensamentos, procedimentos, soluções e sentimentos.
Em relação à leitura, podem-se utilizar histórias que envolvam problemas matemáticos, histórias das construções e descobertas de conceitos relacionados a
essa área, textos de curiosidades e desafios criados pelo professor, ou aluno, através de problemas vividos no cotidiano. O professor também pode ensinar a ler e interpretar um problema matemático, a ler um esquema, gráfico ou tabela, a ler textos
escritos em linguagem algébrica, dentre outras propostas de leitura.
Assim como a leitura, a produção de textos é uma atividade que pode ser realizada
cotidianamente pelos alunos nas aulas de Matemática. Professores e alunos devem se empenhar constantemente em melhorar seu desempenho na escrita. Por meio da escrita somos avaliados ao longo da vida nas mais variadas situações. Os registros escritos nos permitem expressar sentimentos, idéias, opiniões, críticas e o conhecimento; por meio de registros o conhecimento é perpetuado.
A escrita matemática gera uma grande dificuldade, pois se deve preocupar com
todos os princípios pertinentes às outras áreas, e ainda com a grande quantidade
de cálculos, símbolos e notações que aparecem com muita freqüência. Entretanto,
colocar o aluno para ler, interpretar, escrever textos matemáticos é uma forma adequada para melhorar seu desempenho na escrita. Só se aprende a escrever lendo e
escrevendo.
Para exemplificar a forma em que o professor pode incorporar a leitura e a produção
de texto em sala de aula, sugerimos algumas ações tais como:
• Desenvolver habilidades de leitura (como por exemplo, saber extrair e interpre
tar a informação, identificação dos dados, reconhecimento da pergunta, identificação
das incógnitas).
• Promover reescritas do enunciado de problemas ou de outros textos com objetivos
específicos e previamente estabelecidos (exemplo: tornar mais claro um
enunciado, excluir os dados em excesso, deixar o enunciado mais sucinto etc.).
• Elaborar textos coletivos (orais ou escritos) com conclusões, descobertas e
explicações.

• A seleção de conteúdos

Ensinar a Matemática tendo em vista os objetivos explicitados na proposta pressupõe
trabalhar com uma diversidade de idéias e objeto matemáticos relacionados a Números
e Operações, Grandezas e Medidas, Espaço e Forma e Tratamento da Informação.
Ao seqüenciar os conteúdos, devem-se levar em consideração o conhecimento prévio do aluno de modo a permitir avanços a partir do ponto em que se encontra.
Os conteúdos introduzidos nem sempre precisam ser trabalhados em sua totalidade
num único momento. Por exemplo, pode-se apresentar uma idéia de geometria através do espaço e das formas geométricas que nos cercam e deixar um aprofundamento dos conceitos teóricos para ocasiões posteriores, quando o aluno já tiver abstração suficiente para uma assimilação mais aprofundada.
É importante que o professor faça, sempre que possível, o aluno perceber, dentro
do conteúdo atual, conceitos já trabalhados e a relação destes com os que serão
abordados futuramente. Correlacionar conteúdos diferentes aumenta o nível de
abstração, isto é, gera uma visão mais ampla da Matemática e melhora o raciocínio
lógico.
O tempo empregado em cada tópico deve se orientar pelas metas iniciais que
orientam o trabalho nessa área, quais sejam instrumentação para a vida e desenvolvimento de habilidades de pensamento (Reflexão e Criação 1). Por isso, no planejamento anual devem ficar claros os conteúdos de maior e menor relevância evitando detalhamentos excessivos.

AVALIAÇÃO

A avaliação, como parte integrante do processo de ensino e aprendizagem, tem
como objetivo desvelar o quanto o aluno se aproximou das aprendizagens esperadas,
desvelando dificuldades e possibilitando, dessa forma, novas ações de ensino.
Não se trata mais de fazer a avaliação em um único momento, quando se registra o número de exercícios respondidos corretamente sem compreender o pensamento e os raciocínios que conduziram aos erros cometidos e aos caminhos escolhidos pelos alunos (Reflexão e Criação 3). Trata-se, outrossim, de avaliar o continuum do processo de aprendizagem, e não em alguns momentos privilegiados. Diagnosticar
o que o aluno já sabe no início do processo de ensino orienta escolhas das stratégias
e dos recursos possíveis para uma ação educativa significativa para o aluno.
Desse ponto de vista, instrumentos de avaliação como provas, trabalhos em grupo
ou individuais, registros de atitudes e participação dos alunos em sala de aula, questionamentos,discussões em grupos, seminários etc. tem como função fornecer ao
professor um continuum de informações sobre a capacidade e o crescimento do aluno. Capacidade não apenas para memorizar conceitos, mas principalmente para entender esses conceitos, resolver problemas, relacionar um conteúdo com outro ou com uma situação vivenciada no cotidiano, ler e interpretar textos e problemas matemáticos, bem como produzi-los.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Josias. Educação Matemática e exclusão social. Brasília: Ed. Plano, 2002.
BRASIL. Secretaria de Educação do Ensino Fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais: Matemática / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF.
FRANCHI, Anna / SILVA, Benedito Antônio da / FREITAS, José Luiz Magalhães de /
PAIS, Luiz Carlos / MARANHÃO, Maria Cristina S. de A. / DAMM, Regina Flemming
/ IGLIORI, Sonia Barbosa Camarga / MACHADO, Silvia Dias Alcântara. Educação
Matemática: Uma introdução. São Paulo: Cortez, 2002.
CENPEC - Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária
e SEE/Paraná. Ensinar e aprender: Reflexão e criação (3 volumes). SEE/Paraná: 1998.
CENPEC - Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária
e SEE/SP. Ensinar e aprender: construindo uma proposta. (4 volumes). SEE/SP: 2001.
CENPEC – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária.
Oficinas de matemática e de leitura e escrita. Escola comprometida com a
qualidade, 3ª edição. Summus, editorial 2002.
RABELO, Edmar Henrique. Textos matemáticos – produção, interpretação e resoluções
de problemas, 4ª edição. Petrópolis: Vozes, 2004.
CARVALHO, J. B. P. F. As propostas curriculares de matemática. In: Elba Siqueira de
Sá Barreto. (Org.). Os currículos do ensino fundamental para as escolas brasileiras.
1 ed. Campinas: Autores Associados/ Fundação Carlos Chagas, 1998, v. , p. 91-126.

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