terça-feira, 16 de junho de 2009

Currículo em debate - Caderno 4

UM PASSEIO PELA FESTA DE TRINDADE ATRAVÉS DA MATEMÁTICA
JUCINEIDE PEREIRA
Oprojeto foi desenvolvido na Escola Estadual Sol Dourado com os alunos da 8ª série “A” do turno matutino, e apresentado na I Mostra Cultural da escola, quando os professores das demais disciplinas também apresentaram - cada um na sua área - os trabalhos realizados com os alunos.
Foi realizado com o objetivo de desenvolver o interesse dos alunos pela matemática,
por meio de um trabalho contextualizado e significativo que os auxiliasse na solução de problemas cotidianos.
A proposta era trabalhar a Matemática envolvendo uma prática cultural bastante valorizada na cidade – a Festa do Divino Pai Eterno, realizada todos os anos.
O problema em questão foi assim definido: quanto a igreja e a prefeitura arrecadam
durante 9 dias da festa e qual o destino deste dinheiro?
Inicialmente os alunos entrevistaram pessoas idosas (avós, vizinhos) para investigar
a representação que tinham sobre a questão financeira envolvida na festa como por exemplo: a arrecadação da festa é boa? Dá lucro ou prejuízo?
As principais informações coletadas foram as seguintes:
• Os lotes alugados da prefeitura são muito caros.
• Na maioria das vezes as pessoas que alugam terrenos têm prejuízos.
• A igreja gasta mais do que arrecada.
• Tudo o que é vendido na cidade no período de realização da festa tem seus
preços aumentados.
• Nesse período, também são cobrados dos moradores valores maiores pelo consumo
de água e energia elétrica.
Estas informações geraram um debate acalorado entre os alunos que se mobilizaram
para sair em busca de novas informações. Para isso organizaram-se em cinco grupos, de oito componentes cada: dois grupos iriam conferir a veracidade dos dados na prefeitura, dois procurariam a igreja e um seria o “grupo de apoio”, que era composto por seis componentes.
Certamente, nesse processo os alunos iriam conseguir muitas novas informações
que iriam ampliar sua compreensão do problema.
Os dois primeiros grupos marcaram entrevistas com o padre Robson, reitor do Santuário do Divino Pai Eterno, e padre Domingues, que lhes forneceram dados significativos para o trabalho.
Os dois últimos grupos foram à prefeitura. Foram atendidos pelo assistente do prefeito, Dr. Wagner, que lhes forneceu uma ata (cópia) que explicitava todas as
entradas e despesas do município com a festa.

Quanto aos romeiros
• 80% dos romeiros pertencem à classe baixa e economizam o ano inteiro para
participarem da festa.
• A cidade também recebe, nessa ocasião, mendigos romeiros.
• A quantidade de romeiros cresce em média 10% a cada ano.
• No período da festa de 2006 foram recebidos aproximadamente um milhão de romeiros.

Quanto ao trabalho voluntário/doadores
• Na festa de 2006, 83 pessoas cuidaram da manutenção e funcionamento dos
ventiladores.
• 266 pessoas se responsabilizaram pela limpeza e manutenção dos bancos da
igreja.
• 2188 pessoas de outras localidades ofereceram doações em dinheiro.
• 250 pessoas doaram produtos diversos para a “caixa de oferta”.
• São mais de 600 pessoas trabalhando diretamente e cerca de 200 pessoas, indiretamente. Metade dessas pessoas é remunerada.

Quanto ao destino da arrecadação
• Distribuem-se mais de 1000 marmitex para mendigos.
• A igreja mantém uma creche com mais de 300 crianças.
• A arrecadação de um dia da festa é destinada à Vila São Cotolengo: cerca de
R$ 90.000,00 (noventa mil reais) em alimentos arrecadados e aproximadamente
R$ 30.000,00 (trinta mil reais) em dinheiro.

Quanto ao número de lotes alugados
• A prefeitura aluga 2.000 lotes.

Quanto ao valor dos aluguéis
• Avenida – tamanho: 3,00m x 5,50m, de R$ 250,00 (duzentos e cinqüenta reais)
a R$ 480,00 (quatrocentos e oitenta reais).
• Praça da prefeitura - tamanho: 2,00m x 1,50m e 4,00m x 8,00m, de R$ 300,00
(trezentos reais) a R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais).

Quanto ao lucro ou prejuízo da festa
• A igreja não tem prejuízos com a festa, porém tem prejuízos com o vandalismo.
• A festa não gera lucros para a prefeitura, pois gasta-se muito com saneamento
básico e infra-estrutura.

Quanto à Basílica
Os dois grupos responsáveis pelas entrevistas na igreja entrevistaram também os
engenheiros que trabalharam na construção da Basílica. Estes lhes informaram que
a arquitetura do santuário foi desenhada a partir de várias formas geométricas:
triângulos, trapézios, circunferências etc. A igreja possui o formato de uma cruz e
uma cúpula no alto com uma altura aproximada de 22 metros da base até o ponto
mais alto.
A partir dessas informações, em sala os alunos resolveram problemas envolvendo
medidas, porcentagens, proporções, gráficos e outros.
Exemplos de problemas desenvolvidos pelos alunos:
1. Se em 2006 um milhão de romeiros visitaram a Basílica e a cada ano esse
número cresce 10% quantos romeiros visitarão a Basílica em 2014?
2. Em cada missa participam em torno de 20 mil pessoas. Havendo 4 missas por
dia e em cada uma delas cada pessoa doar R$ 0,50, quanto a igreja irá arrecadar
no final dos 9 dias de festa?
3. A praça da Basílica possui 100 mil m2. Em uma missa campal há 500 mil pessoas.
Quantas pessoas ocupam cada m2?
4. Sabendo que o diâmetro da cúpula da Basílica mede 12m, qual é o comprimento
de sua circunferência?

Após a resolução desses problemas, os alunos levantaram gráficos de barra que
foram expostos na I Mostra Pedagógica da escola.
Um de nossos alunos não se envolveu no trabalho, em nenhum dos grupos.
Como tem habilidade para as artes visuais, ficou definido que ele desenharia a
Igreja Matriz, o Santuário, a Vila São Cotolengo e a praça da Prefeitura, para
enriquecer o trabalho. Esse mesmo aluno fez também os cálculos que envolviam
porcentagem, pois era um assunto que ele dominava bem.
Apresentamos o nosso trabalho na I Mostra Cultural da escola. Confeccionamos
lembrancinhas e o caderno de visitantes (que somou ao final da mostra 182 assinaturas).
Era responsabilidade do grupo de apoio explicar para os visitantes os cartazes
ali expostos.
Finalmente, refletindo sobre nossa experiência chegamos à conclusão de que os
alunos possuem potencial e responsabilidade para desempenhar atividades como
essas. Não tivemos problemas em nenhum estágio do trabalho, os resultados obtidos
foram satisfatórios em todos os aspectos. Além de ampliarmos os conhecimentos
matemáticos (análise e confecção de gráficos, cálculos de porcentagens), ampliamos
também conhecimentos culturais em relação à nossa cidade (por exemplo,dados da construção da igreja, programas sociais em que a igreja e a prefeitura estão envolvidas).
Também vale destacar que nossos jovens não são alunos e sim aprendizes, pois
em latim “aluno” quer dizer “sem luz”, e com o trabalho pude descobrir que meus
aprendizes possuem luz capaz de irradiar todos que os rodeiam.
Em continuidade ao nosso “Passeio pela Festa de Trindade através da Matemática”,
desenvolveremos o projeto “Pós-Festa”: apresentaremos números e dados significativos de pessoas que passaram pela cidade - dentre elas romeiros e mendigos -, o que foi gasto em alimentos pela igreja e em saneamento pela prefeitura; processaremos o número de atendimentos hospitalares feitos pelos bombeiros e enfermeiras. Realizaremos também a difícil tarefa de comparar a festa desse ano com as dos outros anos, fazendo levantamentos e gráficos segundo a sistemática do projeto anterior. As atividades serão realizadas em parceria com a professora de Arte, com o objetivo de desenvolver um trabalho com os monumentos históricos de Trindade através da geometria.
Um outro desafio a que nos propomos é o de socializar os dados já organizados
e as primeiras conclusões a que chegaram os alunos com os representantes da igreja,
da prefeitura e das pessoas idosas que foram entrevistadas. Dessa forma podemos contribuir para que a festa, além de gerar renda a algumas pessoas, possa também gerar renda para os projetos sociais da cidade.
A experiência com o “Passeio pela festa de Trindade através da Matemática” trouxe resultados significativos na aprendizagem e no desempenho dos alunos, no seu interesse pela Matemática. Estimulou-os a realizar outras atividades em que eles
participem ativamente e que os instiguem à resolução de problemas, incentivou-os
a dar continuidade ao projeto nos anos vindouros.


ASSIM COMO ERA NO PRINCÍPIO

NILTON CEZAR FERREIRA

O projeto intitulado “Um Passeio pela festa de Trindade através da Matemática”, levou-me a algumas indagações e até mesmo a uma suspeita sobre a conduta dessa ciência em um ambiente tão peculiar. Comecei a ler, analisar, comentar e discutir, não apenas com os autores, mas com o próprio relato, e não somente com este relato, mas com todas as experiências que buscam meios eficientes para tornar a Matemática mais atrativa.
Vejo a preocupação da professora em levar aos alunos, ou aprendizes, como ela prefere dizer,uma cultura popular tão presente e que muitas vezes passa despercebida. Vejo também a participação da família, comunidade e a inserção dos valores locais ajudando a fortalecer a grande fonte que rege a aprendizagem, denominada motivação.
O trabalho em grupo como estratégia é uma boa opção, pois isso gera compartilhamento de informações, troca de conhecimento, além de contribuir para a formação da cidadania. Assim os alunos aprenderam a conviver socialmente, respeitando as diferenças, tanto na forma de agir como na forma de pensar.
O relato não deixa claro se houve uma socialização dos trabalhos desenvolvidos, isto é, se as atividades desenvolvidas por cada grupo foram apresentadas e discutidas com todos os membros da equipe. Isso é importante para que o conhecimento não fique restrito apenas aos membros de cada grupo, mas que possa ser compartilhado para gerar uma maior aprendizagem.
Com relação a esse aspecto, vale ressaltar também que os cálculos devem ter a participação de todos os alunos; se não forem refeitos, por cada um dos integrantes que pelo menos sejam analisados e entendidos por todos.
Apesar da riqueza do trabalho não consegui encontrar respostas para algumas das minhas indagações,refiro-me à especificidade da área.
O objetivo do ensino de Matemática e, principalmente, o objeto de estudo dessa área não se apresentam com clareza, no relato. São ítens importantes da concepção da área que vem sendo debatida pelos professores da rede pública do Estado, professores universitários, profissionais do CENPEC e equipe da SUEF (ver Matemática: é preciso ler, escrever e se envolver; Caderno 3), e que devem, portanto, ser explorados nas experiências matemáticas. Assim, seria importante relatar como foram trabalhados os números apresentados, os tipos de gráficos que foram produzidos e que análise foi feita desses elementos. Ou seja, uma descrição mais detalhada dos problemas construídos, da busca dos métodos de resolução deles, das soluções encontradas e finalmente dos conceitos matemáticos envolvidos, uma relação entre teoria e prática.
De qualquer forma, acredito que a atitude de se promover experiências como essa, com seriedade, competência e dedicação, sempre trazem resultados satisfatórios.
Com uma análise mais detalhada podemos observar, nessa experiência, uma inversão no processo metodológico. Em geral, ensinamos um conceito matemático, em seguida propomos um problema e avaliamos se o aluno aprendeu a utilizar tal conceito para a resolução de problemas do tipo proposto. Em experiências, como a desenvolvida pela professora Jucineide Pereira, faz-se um planejamento das ações e durante a execução delas os problemas surgem, ou são elaborados, e a partir daí começa o processo de busca dos resultados, usando-se os conceitos conhecidos como ferramenta para a resolução de tais problemas.
A evolução da Matemática deu-se nessa ordem, ou seja, a criação dos conceitos era motivada por problemas práticos existentes, ou mesmo por problemas teóricos elaborados por grandes pensadores.
Uma viagem pela história da Matemática revela-nos que essa prática começou na era
babilônica em aproximadamente 3500 a.C. e ainda hoje se produz Matemática assim.
O ensino de Matemática não deve se basear em compreender e aplicar as teorias existentes sem a preocupação de justificar os conceitos abordados. Quando falo em justificativa não estou me referindo a uma comprovação da veracidade das afirmações através de uma demonstração formal,estou simplesmente falando da necessidade de indagações sobre a origem dos conceitos tratados e dos elementos motivadores de sua criação. É mais cômodo para nós educadores impor os conceitos e exigir que eles sejam reproduzidos para se chegar ao resultado de um problema. No entanto, agindo dessa forma não estamos exigindo que nossos alunos sejam pensadores, somente
que conheçam as técnicas adequadas para a reprodução do processo.
A busca por um ensino de qualidade vem convencendo os educadores de que os problemas,
como nos primórdios, devem ser o ponto de partida para a introdução dos conceitos, assim a investigação fica livre de qualquer conceito pré-estabelecido. É por isso que defendemos a concepção de que é preciso valorizar o conhecimento do aluno e sua forma de raciocínar, sem tentar impor-lhe uma outra visão de mundo, ou outra forma de pensar mas sim, ampliar sua compreensão de mundo e forma de pensar.
Assim, as práticas pedagógicas que utilizam os princípios descritos, devem ser incentivadas e os educadores que têm um real compromisso com a educação precisam discutir, defender e implantar na sua escola projetos como esse, com equipes motivadas, objetivos bem definidos, cronograma estabelecido e efetiva participação de todos.
É certo que nem todos os conteúdos de matemática podem ser abordados dessa forma, porém experiências como estas são muito importantes de serem elaboradas em diversos momentos do ano letivo, pois é preciso sempre buscar formas de instigar e mobilizar os alunos para uma efetiva compreensão dos conceitos matemáticos.
Assim, uma ciência de mais de cinco mil anos dá-nos lições. Apesar da sua grandiosidade gerada por tamanha evolução, a chave para a propagação desse conhecimento ainda pode estar no princípio.

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